A comunicação sempre viveu de simbologia.
Comunicar é um processo muito mais amplo e complexo do que aquilo que podemos imaginar. Todas as sociedades, desde aquelas que se organizam da forma mais simples às mais complexas, possuem diferentes formas e canais de comunicação: da fala à escrita; do corpo aos gestos; das roupas, adereços e artefactos às imagens. A linguagem surge a partir da necessidade humana de se comunicar. Cada uma dessas formas de emissão/recepção de mensagens possui símbolos próprios e, assim, as mensagens que circulam só podem ser compreendidas conhecendo-se os seus símbolos: o conjunto das práticas sociais, dos valores e da percepção de mundo da sociedade que os criou.
As diversas linguagens cruzam-se na sociedade moderna, num determinado espaço e num determinado tempo, e é nesta sincronia comunicacional que se podem encontrar os códigos de cada linguagem, os seus símbolos, o seu suporte de emissão de mensagens, os seus sentidos, os seus autores e os seu receptores. Esta é a segmentação baseada nas classes sociais, além de outros traços sociais distintivos. As formas de linguagem mudam de acordo com a situação que vivemos e as necessidades de comunicação que enfrentamos.
Hoje em dia, faz sentido considerarmos a existência de uma tipologia de linguagem maioritariamente digital, onde são utilizados termos únicos (quem não se lembra do “LOL”), e imagens singulares (memes). Ainda poderão ser largamente reproduzidos diferentes símbolos associados a uma determinada mensagem que poderá ou não ser a propositada inicialmente.
Neste artigo iremos dar destaque a duas questões actuais que demonstram, claramente, o poder da simbologia aliada a uma mensagem, em cada um dos casos, divergente do pensado primeiramente.
A Bandeira Pirata - Jolly Roger - St. Pauli
Jolly Roger é o nome, geralmente, concedido às conhecidas bandeiras pretas ilustradas com uma caveira e ossos (ou espadas) cruzados.
Embora sejam sempre remetidas para histórias de piratas, o desenho da caveira com os ossos vem desde tempos remotos quando os devotos retiravam os mortos, anos depois do enterro, e colocando-os numa nova urna onde os ossos do fémur, pela sua dimensão, só cabiam cruzados, sendo o crânio o último elemento a ser incluído.
Já os piratas utilizavam a bandeira negra hasteada para manter os curiosos afastados, já que um barco com esta cor erguida significava que transportava doentes a bordo.
Rapidamente, o símbolo da caveira com os ossos foi assumido pelos piratas - como forma de aterrorizar os demais - sendo que cada um tinha o seu próprio Jolly Roger.
Desses anos saltamos para 1980 e do mar para a terra, mais propriamente para a Alemanha.
O FC Sank Pauli, ou simplesmente St. Pauli é um clube que actualmente figura na primeira divisão de futebol alemã e que funciona como um autêntico fenómeno de culto.
Nesta precisa década (1980), este clube deixou de ser uma equipa tradicional alemã, para funcionar como um verdadeiro símbolo de luta contra o nazismo, racismo e preconceito. Ao alterar a localização do estádio, o St.Pauli foi acolhido num bairro conhecido pela sua vida nocturna. De entre as diversas modificações na sua estrutura, este clube foi dos pioneiros a não permitir a entrada de nazis nas suas instalações, demarcando-se dos demais clubes, à época. Como marca desta vontade e destas decisões, os adeptos do St.Pauli decidiram utilizar a Jolly Roger como símbolo de rompimento com a realidade da altura, uma espécie de afirmação da luta anti-racista.
Certo é que este símbolo, mundialmente famoso, ficou sempre ligado ao clube o que auxiliou a sua propaganda e ainda aumentou os seus adeptos por todo o mundo, que poderão não conhecer os jogadores que actuam no plantel da equipa, mas são capazes de usar uma t-shirt com as iniciais do clube.
Fred Perry e o seu pólo
Um dos exemplos mais actuais do poder da simbologia é exactamente todo o problema causado por um simples pólo da marca Fred Perry.
Mais do que nunca, as marcas precisam de mostrar aos consumidores que são responsáveis a nível ambiental, mas também social.
A Fred Perry é mundialmente reconhecida, maioritariamente, pelos seus pólos minimalistas. Sendo que, o reconhecimento poderá ser positivo ou, neste caso, negativo.
Nos EUA, aliados à administração Trump, surgiu um grupo de extrema-direita nazi denominado “Proud Boys”. Os integrantes deste clã, para além dos seus ideais, são adeptos incondicionais de Donald Trump e de todas as suas narrativas racistas e xenófobas. Até este ponto, a Fred Perry não está relacionada com nada pertencente a este grupo, a não ser o facto dos seus integrantes terem sido filmados, repetidamente, com um dos modelos de pólos desta marca. Sempre o mesmo modelo, com as mesmas cores, passou em loop em televisões, publicações e partilhas um pouco por todo o mundo. A Fred Perry, não tendo qualquer culpa, estava a começar a funcionar como símbolo de um grupo com ideais altamente questionáveis.
Semanas depois, a marca tomou a decisão de suspender a venda de um dos seus pólos mais famosos no Canadá e nos Estados Unidos — a camisola preta e amarela.
O comunicado foi publicado no site e nas redes sociais da marca, sendo que os responsáveis apontaram que é “extremamente frustrante que este grupo se tenha apropriado do nosso pólo”. Esta peça é uma camisola da sub-cultura britânica, “adoptada por vários grupos de pessoas que reconhecem os valores por detrás dela”, afirmam no comunicado de imprensa.
Apesar de ter uma linhagem de “inclusividade, diversidade e independência” , o pólo está a ser associado a um conceito completamente diferente, em que a marca de roupa não se revê. “Nesse sentido, tomamos a decisão de deixar de vender a peça nos Estados Unidos desde Setembro e não vamos voltar a vendê-la no Canadá de novo”, pode ler-se na nota à imprensa.
Tanto num exemplo como no outro, os símbolos funcionaram com propósitos totalmente distintos dos que foram inicialmente criados. Estes são apenas dois casos que demonstram o poder da simbologia na comunicação e o cuidado que tem de existir quando se comunica para grandes massas e públicos-alvo distintos. A comunicação digital, devido à publicidade e redes sociais, poderá ver uma das suas mensagens ser mal interpretada devido ao simbolismo que poderá utilizar. Neste caso, o cuidado nunca é demais!
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